terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A ESCRIVÃ NUA

Transcrevo do blog do jornalista Luís Nassif, texto escrito por Márcio Valley.
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No mês de junho de 2009, dois delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo, os policiais Eduardo Henrique de Carvalho Filho e Gustavo Henrique Gonçalves, ambos da Corregedoria da Polícia, com apoio de duas policiais militares, algemaram e tiraram, à força, a calça e a calcinha de uma escrivã que era investigada pelo crime de concussão. As imagens estão no Youtube. Para quem quiser assistir, o endereço é http://www.youtube.com/watch?v=tZxFxABQ4Lw.

Antes de ser despida, a escrivã implorou, durante quase cinquenta minutos, que fosse revistada por policiais femininas, pois não queria ficar nua na frente de homens. Cinquenta minutos! O episódio ocorreu dentro do 25ª Distrito Policial, que fica na rua Humberto Ravello, nº 9, em Parelheiros, zona sul da cidade. A sede da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo localiza-se na rua da Consolação, nº 2333, na Consolação. Uma consulta no Google Maps revela que, entre um e outro, há trinta e sete quilômetros e cerca de uma hora.

Percurso de uma hora separou a escrivã de sua dignidade. Em certo ponto, já impaciente, um dos delegados determina que a escrivã seja algemada. Logo após ser algemada, a escrivã é moralmente estuprada, com a retirada de sua calça e de sua calcinha, enquanto, infantilmente, grita “vai aparecer minha periquita, vai aparecer minha periquita”. Logo após ser despida, ela balbucia, quase sem voz, “não acredito que estou nua”. Tudo isso ocorreu dentro de uma delegacia de polícia da maior cidade desse país.


Acho que todos nós nos lembramos da decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu o uso de algemas. Segundo a Súmula Vinculante nº 11 do Excelso Tribunal, somente é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Do vídeo da prisão da escrivã, em nenhum momento ela resiste à prisão ou mesmo à revista, somente implorando por revista feminina. Tampouco oferece ela qualquer risco à si ou aos policiais. No entanto, foi algemada. E as algemas, percebe-se claramente pelo vídeo, foram colocadas para facilitar o trabalho do delegado no ato de despir a escrivã. Não havia resistência à prisão, havia resistência a um procedimento de produção de prova. Os motoristas podem opor-se ao bafômetro. A lei não autoriza que um motorista alcoolizado seja algemado para possibilitar que um bafômetro seja enfiado em sua boca, todavia, ao menos em São Paulo, parece que é permitido aos policiais algemar mulheres para despi-las em busca de provas e evidências da prática de crime.

Logo após as algemas, a vergonha. Diz o artigo 249 do Código de Processo Penal, que a revista em mulher será sempre feita por outra mulher, somente cabendo exceção no caso de a convocação de agente feminina importar retardamento ou prejuízo à diligência. Bom, o delegado ficou quase uma hora tentando convencer a escrivã a ficar nua na sua frente, praticamente o mesmo tempo que demandaria conduzir uma policial feminina da Corregedoria à delegacia. É interessante observar, nessa barbárie, que o chefe da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo é uma mulher, a delegada Fernanda Paiva Nunes Marreiros Marques. Fico imaginando se ela, num gesto de alteridade, imaginou-se no lugar da escrivã, tendo as calças arrancadas à força por policiais homens.

Reparem que não falei sobre o suposto crime atribuído à escrivã. Foi de propósito. Ainda que alguém pratique um crime, isso não autoriza qualquer policial, muito menos delegados de polícia, a violentá-lo fisica ou moralmente. Um procedimento instaurado na Corregedoria isentou os delegados de qualquer culpa, mesmo existindo um vídeo comprovando o excesso. O crime da escrivã foi aparentemente comprovado e ela foi demitida. Contudo, a escrivã, ao gritar o seu direito de não expor sua "periquita", na verdade pôs a nu os delegados de polícia do Estado de São Paulo.
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Agora comigo: O texto não aborda outros pontos, como a maneira ilícita de buscar a prova, e a questão da nota ser "xerocopiada" como eles mesmos dizem no vídeo, o que seria um crime impossível, e portanto inexistente, pois ninguém pode ser subornado por xerox. Ainda é argumento factível a questão de flagrante forçado. Mas é claro que ficou provado que houve o suborno, foi encontrado dinheiro com a escrivã, porém, o crime maior neste caso foi o claro desrespeito à dignidade sexual. O desrespeito moral. O inquérito contra os policiais foi arquivado e a escrivã foi expulsa. Cada um que pague por seus crimes. Naquela sala, a escrivã virou um espetáculo para dezenas de pessoas, e seus gritos demonstram o tamanho da violência que sentiu.
Fica a certeza que ela perdeu muito mais que o emprego, foi abusada moral e sexualmente, isto é uma questão de dignidade, o princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico.
Resolvemos tirar o vídeo, depois de consultar algumas colegas de classe de faculdade. Na verdade, se encontrarmos o vídeo com os devidos cortes, não expondo totalmente a mulher, volto a colocar. Pensamos o seguinte: Se ela lutou tanto para se preservar, será que nós não estamos novamente despindo-a diante milhares de pessoas? Por isso, o vídeo foi exlcuído, mas a abordagem sobre o assunto é pertinente, e devemos aprofundar como um grito de repúdio ao desrespeito à lei e à mulher, E neste caso, a escrivã deve pagar pelo seu crime, mas sob o manto da legislação penal, e não pela abordagem machista dos policiais que a expuseram. 

RÁDIO MÚSICA BRASIL MPB

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