quinta-feira, 23 de julho de 2015

Garanhuns, Ariano, Dominguinhos, Gonzagão e o Festival. Tem algo de inexplicável!


Parece que Ariano escreveu, Dominguinhos musicou e Gonzaga cantou a prosa que vou contar.

Dominguinhos, já cansado de guerra, e diante todos os conselhos para não ir ao Sertão, foi de encontro à razão e agiu pela emoção de cantar no centenário de Gonzagão. Partiu para Exu e fez as duas últimas apresentações de sua história abençoada. Dominguinhos sabia que precisava estar lá, onde estava todo o mundo real e imaginário que Gonzaga criou, e que Neném tão bem levou adiante, seria seu último cenário, a hora de passar o bastão. E assim o fez!

Mas agonizou ainda sete meses em uma UTI em São Paulo até chegar a festa de sua cidade, onde o mundo da cultura estaria reunido, para enfim descansar. O mundo, o mundo mesmo! Circo, dança, teatro, música, artes plásticas, gestores, políticos, artesões... Durante dez dias a Terra de Dominguinhos vira a Capital da Cultura Nordestina. 

Um ano depois, exatamente um ano depois, 23 de julho, a história, talvez nem pensada por Ariano Suassuna, se repete. 

O mais pernambucano dos paraibanos, e olha que são muitos, apresentou em Garanhuns seu último ato. Disse ele mesmo que somente nossa cidade teve a honra de assistir As cinco obras a que chamou de aulas, verdadeiras aulas-espetáculo. Estava tranquilo, com senso de humor à flor da pele, fez várias declarações a sua esposa, aliás, sua namorada desde 1947, e sorriu, brincou, cantou, versejou poetas populares e cantou cantigas de violeiros. Apresentou uma pequena obra esquecida de Capiba com o Grupo Arraial, contando histórias e ensinando aquele povo que o que a gente precisa está aqui. 

Ariano foi Ariano intensamente.

Brincou com línguas estrangeiras, alemão e inglês, desfez-se de artistas do showbizz e enalteceu cada centímetro quadrado de nossos artistas populares. Valorizou nossos mestres eruditos, criticando-lhes frações de preconceitos contra a arte das ruas e das feiras.

Ele sabia, tenho certeza que sabia. Não tem explicação. Era o último ato, a menos que ele tenha um encontro lá em cima em que engane Deus, o diabo não, ele não estará com ele.

Gente, como segurar uma danada de uma lágrima que teima em cair, se a sua última aparição tá gravada aqui na memória como um filme, desde as primeiras cenas até às últimas letrinhas.

Mais uma vez nem a ficção consegue prever estas nuances da vida vida. 

Garanhuns escreve seu nome em páginas tristes da cultura, mas pintadas com as cores da beleza, que temos a obrigação de cuidar, e cuidar bem!

Perdemos mais um guia! E não vou colocar toda esta história na conta das coincidências!



Publicado originalmente no frio de julho de Garanhuns, 2014

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