domingo, 25 de abril de 2010

Ditadura e Crimes - por Jeová Barros Jr.

Como prometemos está aí o artigo do Dr. Jeová Barros Jr, escrito exclusivamente para nosso blog, sobre a lei de anistia e a ADPF sobre o assunto que está em pauta do STF. Aos que discordarem do advogado colaborador, estamos abertos para contrarrazões.
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Ditadura e Crimes

Agora em Abril, completaram-se 46 (quarenta e seis) anos do Golpe Militar, o qual recebe o nome de Revolução por parte de seus defensores; foi esse evento que retirou o presidente eleito João Goulart da presidência e instalou uma junta militar, que viria a governar o Brasil por mais vinte anos.

Tal regime, em 1969, por meio do Ato Institucional número 5 (AI-5), suspendeu vários direitos civis; suspendeu também garantias constitucionais e, por fim, desencadeou uma violenta perseguição aos opositores políticos, com a cassação de mandatos políticos, de ministros do nosso então Supremo Tribunal Federal, e não bastasse a supressão de direitos, como conseqüência ate que esperada, cometeu crimes, através da violência institucionalizada: assassinatos, torturas, estupros, desaparecimento de pessoas, exílio, etc.

Em 1979, quando o regime já não mais se sustentava e as pressões da sociedade se faziam enormes, começou a ser forjado um pacto para que o regime de exceção saísse de cena e viesse a imperar novamente a normalidade institucional, com a recuperação dos direitos que foram suprimidos, o retorno dos exilados e perseguidos, etc. Enfim, tal pacto objetivava o que veio a se denominar como uma reconciliação, por meio do perdão dos excessos que, durante aqueles anos de chumbo, foram perpetrados. O acordo foi forjado e, enfim, formalizado por meio da Lei 6.683/79, a chamada Lei da Anistia.

No último dia 15 de Abril, estava em pauta, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 153, ajuizada pela OAB, conjuntamente com a Associação dos Juízes para a Democracia. Tal ação questiona a compatibilidade da Lei da Anistia, que foi promulgada em agosto de 1979, com a nossa Constituição Federal.

Pois bem, o que pretendemos, através desse artigo, é procurar esclarecer todas as nuances dessa ação e o que ela significa, hoje, e significará, amanhã, para a nossa amada e idolatrada pátria.

Tendo em vista que o Direito não é algo solto, como uma bolinha dentro de uma garrafa, uma vez que é produto de um contexto histórico e filosófico, procuraremos, primeiramente, expor o cenário daqueles anos. Mais ainda: nos empenharemos, com total esforço, para não usarmos o “juridiquês”, termos técnicos que, ao invés de ajudar, acabam por atrapalhar.

Como eu disse, o Direito não é uma bolinha dentro de uma garrafa. Nos bancos da universidade, logo no primeiro semestre, nos é ensinado que o direito é Fato, Valor e Norma. O que isso quer dizer? Quer dizer que ocorre um fato, a sociedade traz uma valoração sobre ele, dizendo se aquele fato é bom ou ruim e, depois, permite ou proíbe a ocorrência daquele fato, por meio da norma. Vou dar um exemplo.

Suponhamos que uma mulher esteja grávida, mas que não deseja levar tal gravidez adiante. Ela, então, decide abortar e assim o faz. Ocorreu, dessa forma, o primeiro aspecto do Direito, que é o fato (aborto); a seguir, entra o segundo aspecto, que é a valoração do fato (O aborto é bom ou é ruim? É um valor ou um desvalor?); por fim, se a sociedade julgar que o fato é lícito, é algo bom, o regulamenta, permitindo que aquele fato ocorra e faz isso por meio da norma, ou seja, da lei; do contrário, se considerar o aborto um desvalor, o proíbe.

Pois bem, hoje, vou ficar somente no fato, ou seja, no contexto histórico da Lei da Anistia, descrevendo o que ocorria no Brasil e no mundo (mais especificamente, aqui, na América Latina), nas décadas de 60 e de 70 do século passado.

Os fatos no mundo e na América Latina.

Terminada a segunda guerra mundial, em 1945, o mundo se dividiu em dois blocos, em que se congregavam os vencedores, cuja denominação recebida foi a de países aliados, durante a segunda grande guerra, quais sejam: de um lado o Bloco Capitalista; do outro o Bloco Comunista.
No primeiro, se encontravam Estados Unidos, França, Inglaterra, etc. No segundo, a China, a União Soviética, etc.
Além desses dois blocos, ainda havia outros países que não faziam parte nem de um (bloco capitalista) nem de outro (bloco comunista); eram os chamados países não alinhados.
Esses dois blocos, uma vez terminada a guerra, começaram, então, a se digladiarem, na arena internacional, procurando estender as influências de cada um, pois a luta pelo poder é permanente e contínua, inclusive nos momentos de paz.

Os Estados Unidos da América, intitulado “Big Brother”, ou seja, o “Grande Irmão”, principal potência do pós-guerra, tinha como raio de influência natural o continente americano, desde o México até a Argentina, passando pelos países da América Central.
Já a Europa se encontrava dividida: a Europa Ocidental fazia parte do Bloco Capitalista, enquanto que os chamados Países do Leste, ou seja, a Europa Oriental, era, predominantemente, comunista.
A Ásia, por sua vez, era dominada pela União Soviética e pela China, sendo que o primeiro, União Soviética, veio a se tornar a outra potência mundial resultante da segunda guerra, enquanto que a China tinha fundamental importância por ser um país de dimensões continentais, fazendo fronteira com o Japão no leste e os países do Oriente Médio, no oeste.

Só de passagem, foi nesse palco, no continente asiático, que ocorreu a Guerra do Vietnã, na década de 1960, a qual teve como causa, justamente, as disputas entre o bloco capitalista (mais propriamente os Estados Unidos) e o bloco Comunista (mais especificamente a União Soviética).
Foi nesses “desenrolares”, ou seja, nessas disputas, que vimos o mundo se dividir em Vietnã do Norte (comunista) e Vietnã do Sul (capitalista); Coréia do Norte (comunista) e Coréia do Sul (capitalista); Alemanha Oriental (comunista) e Alemanha Ocidental (capitalista).
Só que, nessa luta de ideologias, no ano de 1959, ocorreu um fato que teria importância fundamental para a América Latina e também para o Brasil: a Revolução Cubana, uma revolução socialista.

Cuba é uma ilha que fica a mais ou menos duzentos e trinta quilômetros dos USA (mais ou menos a distância entre Garanhuns e Recife).
Fidel Castro e os seus seguidores escorraçaram o ditador Fulgêncio Batista, o qual era um fantoche dos “yankers” (aquele “Grande Irmão), pois a ilha de Cuba era uma espécie de filial, ou melhor, um “play ground”, verdadeira área de lazer da elite norte-americana.

Apesar dos revolucionários negarem ser comunistas, ou seja, alinhados com a União Soviética e outros, o “Grande Irmão” via nela, Revolução Cubana, a influência e sombra dos comunistas, como um fantasma a circundar o seu território; por isso, não admitiram que, praticamente no seu quintal, o bloco comunista começasse a ter influência no continente que os Estados Unidos julgavam ser deles, o americano; influência essa que não ocorria, até então, pois todos os países latino-americanos estavam dentro do seu, digamos, raio de ação.

O “Grande Irmão” não poderia, pois, ficar parado, ver aquele “desaforo” e se conformar. Foi nesse contexto que foi elaborada a chamada “Doutrina da Segurança Nacional”, a qual objetivou, justamente, deter a influência russo-soviética (ou seja, influência do bloco comunista) na América Latina. Para coordenar e dar vida a essa doutrina, isto é, sair da teoria para a prática, os Estados Unidos criaram a famigerada “Escola das Américas”.

A “Escola das Américas” foi uma academia militar, com sede na América Central, mais propriamente no Panamá, que viria a formar as elites militares da América Latina. Lá, por exemplo, estudou o ditador boliviano Hugo Banzer e foi nela quem elaborado todo o suporto ideológico para todas as demais ditaduras militares que viriam a ser instaladas nos nossos países vizinhos e também no Brasil.
Pois bem, uma vez no poder Fidel e os seus revolucionários, as idéias de esquerda (comunismo e socialismo) começaram a ganhar terreno por essas bandas de cá; idéias que, como por exemplo a reforma agrária, eram a heresia que não podia ser suportada pelos puritanos do norte, ou seja, os USA.

Quando Jânio Quadros chegou a presidência e, após a sua renúncia, João Goulart passa a ser o chefe de estado do Brasil, a desenvolver relações com o chefe de estado de Cuba, Fidel Castro, e a receber seu ministro da indústria, Che Guevara, em Brasília, o Ahmadinejad da década de 60, foi demais para os norte-americanos. Havia chegado, então, a hora de colocar em marcha a “Doutrina da Segurança Nacional” e todo o seu aparato.

Estava, assim, na hora, tão esperada e ansiosamente desejada, de detonar toda a munição que havia sido preparada no paiol da Escola das Américas: as nossas elites, apoiadas pelos Estados Unidos da América, com medo dos “comunistas comedores de criancinhas”, em 1964, deram o golpe militar e João Goulart, o nosso presidente democraticamente eleito, teve que se retirar e se refugiar no Uruguai.

Só para terminar: nesse mesmo contexto histórico, vários outros países viram ocorrer a mesma coisa que havia sucedido aqui: governos democraticamente eleitos, por terem em seus quadros “comedores de criancinhas”, com tendências esquerdistas, foram depostos e ditaduras foram instauradas, antes de 1964 (Peru, por exemplo), ou nos anos que se seguiram (como na Argentina, em 1976).

Ficamos por aqui. Semana que vem, pretendo mostrar como as coisas foram e como as coisas estão, após a reabertura democrática.

Jeová Barros de Almeida Júnior – Advogado, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com pós-graduação em Direito Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas e mestrando em Direito Penal Internacional pelo Instituto de Altos Estudos Universitários da Universidade de Granada, na Espanha.
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