A cada ano fica mais claro que as dimensões da figura de Helder Câmara ultrapassam as funções que ele ocupou na vida, especificamente a função de arcebispo católico de Olinda e Recife. A cada ano se ressalta mais seu valor universal, para além da diocese, da igreja do Brasil, do catolicismo e mesmo do cristianismo em geral. O primeiro a enxergar isso, 15 anos atrás, foi o escritor e dirigente comunista francês Roger Garaudy. No livro ‘Helder, o Dom’ editado pela Vozes em 1999 e coordenado por Zildo Rocha, ele escreve textualmente: ‘Meu primeiro encontro com Dom Helder foi o momento mais importante de minha vida’ (p. 29). Não se escreve uma frase dessas à toa. Ela resume uma vida inteira. Ele explica: ‘em 1967, eu estava participando de um encontro em Genebra e, no intervalo de uma das sessões, alguém me procurou para dizer: um arcebispo o espera no corredor´. Era Helder Câmara, que logo tomou a palavra e propôs ao dirigente comunista um pacto: você diz aos comunistas que religião nem sempre é alienação e eu digo aos católicos o socialismo não é algo condenável. Num de seus escritos, Helder Câmara comentou esse momento com as seguintes palavras: ‘eu sentia que no essencial Roger Garaudy e eu pensávamos da mesma maneira’. Um dirigente comunista e um arcebispo católico pensam da mesma maneira! Isso não é sinal de universalismo? E o texto de Garaudy termina com as seguintes palavras: ‘Graças a Dom Helder Câmara, o muçulmano que sou e o marxista que não deixei de ser consideram Jesus o eixo central de minha vida’ (p. 31).
Esse episódio mostra que, já em 1967, Helder Câmara era capaz de transcender o cargo que exercia para enxergar um horizonte mais amplo, o da humanidade como um todo. O mesmo Roger Garaudy, num de seus livros, tinha soltado um grito, dirigido às igrejas cristãs: ‘Devolvam-nos Jesus: Ele nos pertence’. Jesus é do mundo, não das igrejas. E penso que por trás do encontro entre ele e Helder se pode ouvir um grito parecido, dirigido à igreja católica:
Devolvam-nos Helder Câmara,
Ele nos pertence.
É o grito silencioso da bandeira do Movimento dos Sem Terra estendida sobre o caixão de Helder Câmara no dia de seu enterro.