Não há Brasil mais atrasado do que aquele reunido em torno da mesa de Washington Cinel, o ex-oficial da Polícia Militar que fundou uma empresa de segurança, a Gocil, e se tornou muito rico - hoje ele é dono de fábricas de alimentos a fazendas de gado de raça, além da casa, na região mais valorizada de São Paulo, onde recebeu o presidente Jair Bolsonaro para um jantar, na quarta-feira passada.
Afeito ao lobby que desempenha profissionalmente na condição de presidente da Lide Segurança, Cinel não teve problemas em repetir o que fez nas campanhas do governador Doria, de quem era muito próximo, e reunir empresários, supostamente para responder à pressão sobre o presidente Bolsonaro, criticado pela condução da crise sanitária em uma carta assinada por economistas e CEOs de grandes grupos - Itaú, Klabin, Gerdau, Natura, Ambev, Gávea, Marfrig e Amaggi - no final de março.
Como observou a colunista Maria Cristina Fernandes, do Valor, o estratagema funcionou (com uma ajudinha da imprensa), deixando indignados empresários que não participam do núcleo duro do bolsonarismo. Alguns nomes fortes do empresariado chegaram a declinar o convite, como Abílio Diniz, Frederico Trajano e Johnny Saad, da TV Bandeirantes. Nem mesmo a tentativa de Bolsonaro de fortalecer Paulo Guedes atraiu a elite financeira, segundo a colunista do Valor, desenganada com o poder real do ministro da Economia.
Mas, se foram poucos os nomes reluzentes que compareceram, representados pelos banqueiros do Safra e do BTG, o CEO do Bradesco, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e figuras do agronegócio como Rubens Ometto, da Cosan, sobraram endinheirados que aplaudiram com sinceridade mais um discurso obscurantista do presidente. Seus nomes podem não ser conhecidos nacionalmente, mas as fortunas são de peso.
É o caso do médico Cândido Pinheiro Koren de Lima, que figura na recém-publicada lista da Forbes com uma fortuna de 1,8 bilhão de dólares, empatado no ranking com o filho, Jorge Pinheiro. O dinheiro da família vem da Hapvida, a empresa de saúde privada fundada por Cândido que é a maior do Nordeste, e só trouxe alegrias no último ano. A receita líquida cresceu 62,7% chegando a R$2,1 bilhões durante a pandemia de coronavírus. Tudo isso com absoluta lealdade ao presidente Bolsonaro. No ano passado, a Hapvida foi acusada de demitir um médico e ameaçar outros profissionais por não prescrever hidroxicloroquina aos pacientes de Covid-19. O protocolo que estipula o uso da droga continuou vigente pelo menos até o final do ano passado na rede de 33 hospitais e 90 clínicas da empresa, como apurou o site Marco Zero.
Outro comensal que aplaudiu Bolsonaro foi Carlos Sanchez, dono da farmacêutica EMS, grande fabricante de medicamentos genéricos que obteve 5,6 bilhões de receita líquida em 2019 e cresceu 21% em 2020, mais do que o dobro da média do setor. Sanchez também produz hidroxicloroquina e forneceu medicamentos para um dos primeiros estudos sobre a eficácia (que não se comprovou) do medicamento, liderado pelo Hospital Albert Einstein.
O presidente do Conselho do Hospital Albert Einstein, Claudio Lottenberg, que também foi CEO da Amil, uma das maiores operadoras de saúde privada no país, aliás, era outro que estava no jantar. Em um post publicado no mesmo dia no Linkedin, defendeu a vacinação privada. “Acredito que mais pessoas terão acesso à vacina contra a Covid se o setor privado entrar como aliado nesse processo”, disse.
Também na lista de bilionários da Forbes, Isaac Peres, dono da Multiplan, proprietária de shoppings de luxo como o Barra Shopping, no Rio, e o Shopping Morumbi, em São Paulo, era um dos mais entusiasmados. No ano passado, Peres chegou a chamar governadores de “tiranos” por decretarem o isolamento social que prejudicava seus negócios. Nada diferente do que repetiu mais uma vez Bolsonaro no jantar. Agora, Peres defende a vacinação privada e chegou a oferecer os shoppings centers como locais de vacinação.
Fecham a lista dos bilionários da Forbes presentes ao evento, o empresário Rubens Menin - que além de dono de uma construtora e de um banco é sócio majoritário da CNN (os donos de outras empresas de comunicação também estavam presentes como Jovem Pan, SBT e Alpha Comunicação); e Flávio Rocha, da Riachuelo, empresa que acumula ilegalidades trabalhistas incluindo o uso de mão-de-obra em condições análogas à escravidão. Não será surpresa se a privatização da vacina e as fake news sobre isolamento social, propagadas pelos presentes, vierem a agravar a tragédia do país em que os mortos se contam a centenas de milhares e a vacinação patina, enquanto mais da metade da população simplesmente não tem a garantia de ter comida na mesa todos os dias. Também não interessa o número de brasileiros doentes e mortos em decorrência da prescrição de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. Esses são os descartáveis para Bolsonaro e sua trupe. O que importa é que o número dos bilionários brasileiros na Forbes subiu de 45 para 65, multiplicando lucros e cabos eleitorais com muita bala na agulha. O espírito “público” desses empresários coincide perfeitamente com o do presidente.
Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública