A volta em grande estilo dos Estados Unidos às negociações do clima, no momento em que o mundo está traumatizado pela pandemia, parece ter sacudido os líderes globais. Prazos para a redução de emissões de carbono foram antecipados, com a promessa de corte de 50 a 52% das emissões americanas e 55% das europeias até o final desta década. A China também anunciou que reduzirá progressivamente o uso de carvão - principal fonte poluidora do país, que responde por 27% das emissões mundiais.
Com isso, pela primeira vez, temos metas capazes de manter o aquecimento da Terra abaixo de 1,5 grau, o que evitaria grandes catástrofes. Resta saber como vão fazer os países ricos para reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis, a maior fonte de emissão de carbono para a atmosfera. Biden prometeu um mar de rosas na transição verde - “quando as pessoas falam em clima, penso em empregos”, disse.
Por enquanto, podemos comemorar o fato de chefes de Estado finalmente assumirem suas responsabilidades pelo destino comum. Bolsonaro, claro, não está entre eles. Sua participação na Cúpula dos Líderes foi educadinha, mas pouco convincente. Prometeu reduzir nossas emissões através do desmatamento zero, compromisso já assumido pelo Brasil em 2015, e eliminado por seu governo. Nenhuma mudança em outro setor foi anunciada – nem mesmo na agropecuária, que responde por 25% das emissões brasileiras, além de estar na origem do desmatamento (fonte de 43% das emissões).
Não restou quase nada da antiga liderança brasileira nas discussões do clima. A principal iniciativa em relação à proteção das florestas surgiu de outro grupo, bem mais poderoso – e aparentemente com o Brasil de escanteio. Enquanto Bolsonaro discursava, os governos dos Estados Unidos, Noruega e Reino Unido, lançaram o Leaf (folha em inglês), sigla para Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance. Associados a grandes empresas (Unilever, Amazon, Airbnb, Bayer, Boston Consulting Group, GKS, McKinsey, Nestlé e Salesforce), os três países vão investir inicialmente 1 bilhão de dólares nas florestas tropicais (não apenas no Brasil) através de um fundo semelhante ao Fundo Amazônia - que paga pelos resultados obtidos por países e/ou governos locais na redução do desmatamento. Não era bem o que queria o ministro Ricardo Salles, que pretendia obter um cheque em branco para montar sua milícia ambiental. Essa boiada não é tão fácil de passar.
Por outro lado, se a iniciativa de Biden vingar no Brasil, não deixa de ser perturbadora a ideia de uma parceria na Amazônia com tubarões como a Bayer e a Unilever, fornecedoras de agrotóxicos, e a Nestlé, que também já trouxe muito estrago para a saúde e cultura dos brasileiros. A Amazon, além de acusada de monopólio nos Estados Unidos, é questionada na Europa por espionar políticos.
É mais do que urgente que a sociedade brasileira retome o controle do debate climático e exija transparência de governos e empresas. Como alertou Ailton Krenak no Roda Viva de segunda-feira passada: “O pensamento mágico de um escravo do capitalismo é tão fantástico que ele acredita que o capitalismo pode acabar com o mundo e criar outro”.
Agência Publica