Voltamos agora com o texto completo publicado no Jornal do Commercio do último domingo sobre o assassinato do Bispo Dom Expedito Lopes pelo Padre Hosana, que abalou as estruturas católicas da época e os alicerces da sociedade pernambucana, chegando a Roma. Aqueles aconecimentos ainda estão vivos em nosso cotidiano.
.
» ASSASSINATO NO AGRESTE - A história reescrita
Publicado em 09.05.2010
Professor francês mostra em livro o que levou o religioso a matar bispo de Garanhuns, em 1957
Por Renato Lima - Especial para o JC
URBANA (Estados Unidos) – A história de um dos mais rumorosos casos de polícia de Pernambuco está sendo reescrita. A morte do bispo de Garanhuns, no Agreste, dom Expedito Lopes, assassinado pelo padre Hosana, em 1957, é detalhada num livro do professor da Universidade de Toulouse, na França, Richard Marin. A obra, que será lançada no país europeu, em um mês, traz documentos inéditos sobre o terceiro caso no mundo de um padre que matou um bispo e que agitou a sociedade pernambucana há mais de cinco décadas.
Na publicação, constam relatos jamais confirmados. Entre eles, o envolvimento amoroso com uma prima, que chegou a engravidar, fato responsável pela abertura de investigação pela Igreja e que terminou provocando o assassinato. A vida familiar do padre também é desvendada. Sua relação com os fiéis aparece de forma conturbada. Hosana, inclusive, por pouco não era ordenado, em virtude de desavenças na região.
Richard Marin se interessou pelo padre Hosana ao pesquisar a história da Igreja em Pernambuco, a partir da Teologia da Libertação. Ele é autor de um livro sobre a influência dessa corrente no Brasil, com destaque para a atuação de dom Helder Camara. Em suas pesquisas, na década de 90, ficou conhecendo o caso da morte de dom Expedito Lopes. “Na época eu não achei que poderia fazer um livro de história sobre o tema”, recorda o professor, que conversou com o JC após palestra na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Entretanto, influenciado pela chamada microhistória italiana, o evento da década de 50 ganhou corpo e virou um profundo estudo acadêmico só recentemente concluído. A morte de dom Expedito Lopes serviu para entender como funcionava a Igreja Católica naquela época, num Estado que se agitava com a eleição de Miguel Arraes para a Prefeitura do Recife e pela liderança de Francisco Julião, com as Ligas Camponesas.
Marin encontrou um verdadeiro tesouro nos arquivos da Diocese de Garanhuns. Dom Expedito Lopes era um homem meticuloso, que registrava os acontecimentos da região em um Livro de Tombo. São verdadeiras crônicas que falam sobre como o povo se relacionava com a religião e as desavenças com padres locais. Ele também se valeu de outros dados, como material do Arquivo Público de Pernambuco, processo judicial, folhetos de cordel e reportagens da época para reconstituir o assassinato.
Dom Expedito nasceu em Sobral, Ceará, em 1914. Era de uma família pobre e teve a oportunidade de estudar direito canônico no Vaticano, entre 1936 a 1941. Voltou ao Brasil e serviu primeiro como bispo de Oeiras, no Piauí, sendo depois ordenado como Bispo de Garanhuns, em 1955. Seus escritos mostram que ele batalhava pelo cumprimento local do que tinha aprendido em Roma. E se surpreendia com a tolerância que exista com os desvios do clero. Entre essas tentativas de enquadrar a considerada boa conduta romana se confrontou com Hosana de Siqueira, o padre Hosana.
Hosana nasceu em Correntes, Agreste, em 1913, numa família com mais recursos que a de dom Expedito. Mesmo sem vocação foi empurrado para ser padre pela família. Temperamental, teve problemas no seminário em Olinda e só conseguiu ser ordenado padre por ter sido transferido para São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Passou por cinco paróquias até chegar a Quipapá, na Mata Sul de Pernambuco. Não deixava muita saudade por onde passava – frequentemente os fiéis reclamavam dele. Mesmo em Quipapá diziam que ele passava mais tempo no trem indo ver suas terras em Correntes do que cuidando da paróquia. “A Igreja recebe muitas informações, é um tipo de CIA”, compara Marin. “Você não tem ideia da quantidade de informação que chega à Cúria. Uma briga de vizinho, às vezes, resulta numa carta enviada. Através disso dá para entender a região, as redes sociais”, explica.
ARQUIVOS
E é nesse arquivo que se encontra a maior revelação do caso Padre Hosana. Apesar de ele ter negado até a morte, em 1997, há o registro de que realmente tivera um caso com sua prima, Maria José. E que chegou mesmo a engravidá-la e convencê-la a abortar a criança no Recife, além de manter outra amante. Hosana, segundo os documentos, tranquilizava a prima dizendo que a situação dos dois era comum na Igreja. Ela apenas deveria sempre se confessar com ele.
O acordo estava dando certo até que a prima viajou para o Congresso Eucarístico Internacional, no Rio de Janeiro, em 1955. Lá, Maria José se confessa a um religioso holandês que fica horrorizado com o caso e o fato dela continuar vivendo com o padre. O holandês insiste, por meio de cartas, para que ela o autorize a levar o caso ao bispo de Garanhuns, o que Maria José aceita. De posse da informação, dom Expedito se aconselha com a Nunciatura no Rio de Janeiro, uma espécie de embaixada do Vaticano no Brasil. “A Igreja não gosta de escândalos e de forma sigilosa foi recomendado a dom Expedito iniciar um processo diocesano”, diz o historiador. Dom Expedito foi assassinado antes da conclusão do processo. Em 1º de julho de 1957, padre Hosana dispara três tiros em dom Expedito.
“No dia morte, a rádio diocesana ia anunciar a suspensão do padre Hosana. É óbvio que para a família dele isso ia ser um vexame. A minha interpretação é que para defender a honra da família ele mata o bispo”, diz Marin, acrescentando que esse comportamento se relaciona à cultura de violência que persistia na região. Hosana, julgado três vezes, foi condenado a 19 anos de prisão, em 1963. Em 1968, conseguiu a liberdade condicional e se recolheu a seu sítio em Correntes, até ser assassinado aos 84 anos, em 1997. O caso já rendeu dois livros: A bala e a mitra, de Ana Maria César, e Confissões do Padre Hosana, da jornalista Taíza Brito. A morte de Hosana não foi esclarecida e ele sempre atribuiu a boatos sua desavença com o bispo.
Uma visão diferente sobre a Igreja da época
É comum se referir à Igreja antes do Concílio Vaticano II, realizado em 1961, com objetivo de aproximar o catolicismo da sociedade, como monolítica e de rígida hierarquia. Não é isso o que aparece nos documentos aos quais o historiador francês teve acesso em Garanhuns, Agreste pernambucano. A proximidade com a família e o poder local dos padres minam a autoridade do bispo. “O clero tinha subsídio (salário) pequeno, então precisava da família ou fazia negócios, como padre Hosana, que tinha um sítio. A relação com o bispo também é de conflito. Ele vem de fora e fica difícil enfrentar os filhos da terra, que conhecem costumes locais”, exemplifica.
Nas cartas, o relacionamento de alguns padres com o bispo dom Expedito Lopes chega a ser de ameaça. “Os padres daquela época levavam uma vida muito parecida com a das pessoas comuns. Tinham propriedades, brigavam. E me parece que os fiéis aceitam padre com mulheres, desde que isso não fizesse escândalo”, arrisca o professor.
Muitos anos depois do crime, há quem defenda a beatificação de dom Expedido Lopes. Mas há questões práticas que dificultam esse processo, pois a tramitação pode demorar séculos e depende de influências políticas no Vaticano. “Para se obter uma beatificação rapidamente é preciso o caso estar na linha desejada pela Igreja ou ter uma forte congregação por trás. A Diocese de Garanhuns é do interior, pobre e, sobretudo, quando do crescimento da Teologia da Libertação o caso de dom Expedito não era um símbolo da Igreja que estava crescendo”, analisa.
Na raiz do problema está o fato de que o padre Hosana entrou para a Igreja sem vocação, motivado pelo prestígio que a família visava com o cargo. “O caso desse padre sem vocação é muito comum.” Avaliando o caso à luz da chamada crise das vocações atuais, o estudioso defende que o diagnóstico que o Vaticano tem da perda da influência católica na América Latina está equivocado. “A visão que se tem desde (o papa) João Paulo II é que a Igreja para recuperar espaço tem que voltar ao espiritual e deixar o social de lado”, diz. Para ele, uma das saídas é dar maior espaço aos leigos dentro da Igreja e permitir o casamento dos padres.
.
Agora comigo: Meus amigos escritores Wagner Marques e Antônio Cândido afirmaram que o texto do americano não soma nenhuma nova informação do livro "A Bala e a Mitra" de Ana Maria Cesar. Mas atentam também para a importância de revisitar o tema. Não li o livro da escritora, e vi a necessidade de gastar as pálpebras sobre ele oportunamente. Vejam o que diz o Cândido:
.
Ronaldo, pelo que constou na reportagem, nada que o livro de Ana Maria Cesar " A Bala e a Mitra" não tenha abordado. Interessante por explorar ainda mais o assunto, que por sinal, daria ótimo roteiro para um filme.
.