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[ENTREVISTA] "Relatório é um marco, mas não é um final”
Em entrevista à Adital, o psicólogo Alexandre Mourão, consultor da Comissão de Anistia e membro do coletivo Aparecidos Políticos, destaca que o levantamento faz parte da concretização do tripé memória, verdade e justiça, fundamental para um país em transição da ditadura para a democracia, como é o Brasil. Ele foi um dos presentes na cerimônia de entrega do relatório no Palácio do Planalto.
ADITAL - O que o conteúdo desse relatório final representa para o Brasil?
Alexandre Mourão - Esse relatório é embasado em pesquisas anteriores feitas por familiares de desaparecidos políticos e por comissões especiais. Em nível nacional, representa um novo marco na luta pela justiça, de transição da ditadura para a democracia. Vai embasar novas recomendações ao país, de acordo com preceitos internacionais. Em nível internacional, coloca o Brasil num novo patamar, porque terminou um ciclo e vai abrir a possibilidade da justiça avançar mais. Mas a CNV não é um final; pelo contrário, se deve ir mais além. Agora, é necessário ter um posicionamento.
ADITAL - Que críticas você faria ao relatório?
AM - Familiares dos mortos, dos desaparecidos políticos, não souberam onde estão os corpos de seus familiares. O relatório pode ter os avanços e as recomendações que tem, mas a crítica de boa parte dos familiares é esta: eles não tiveram o direito sagrado de enterrar esses corpos. Então, é uma questão em aberto. É um recomeço, um novo ciclo, uma luta que vai permanecer. Os familiares colocam que não vão parar de buscar por isso. Em nível político, o relatório criou um importante debate, mas minha crítica é que a Comissão da Verdade começou a fazer as audiências e diligências muito no final do processo, apenas no último semestre.
ADITAL - Você afirmou que o relatório é um marco da transição entre a ditadura e a democracia. O país ainda está nesse limbo? A democracia ainda não se consolidou?
AM - Acho que a democracia ainda não se consolidou, porque a discussão é que a sociedade, quando passa por um regime autoritário, por uma ditadura, um regime de exceção, precisa realizar esse tripé de "memória, verdade e justiça”. Um argumento bem prático da continuidade desse período, de resquício da ditadura, são os órgãos de segurança pública e a militarização da polícia. A Polícia é ligada ao Exército. Existem a Lei de Segurança Nacional e as práticas de segurança pública.
Exemplos culturais, simbólicos, são as nomeações de ditadores e torturadores em ruas, instituições, prédios públicos. São mais de 500 escolas com o nome de torturadores. Ainda há pessoas que pedem intervenção militar e parlamentar [deputado federal Jair Bolsonaro, do Estado do Rio Grande do Sul], que pede golpe, faz apologia ao estupro e defende a ditadura militar. Muitos militares permanecem em órgãos públicos, ocupando cargos importantes. Alguns deles possuem relação com grupos de extermínio.
Será, então, que a gente realmente já passou por essa transição democrática? É preciso repensar sobre esses arbítrios para que não ocorram novamente. O relatório é um marco, mas não é um final. Começa agora um novo ciclo, o ciclo da justiça, abrindo a possibilidade de consolidar nossa democracia.
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