* Este texto faz parte de uma série de ensaios sobre assuntos diversos e de interesse comum que escrevi. O título é uma homenagem a um dos maiores escritores de língua portuguesa, José Saramago, que com seu “Ensaio sobre a Cegueira”, de 1995, nos levou a imaginar uma sociedade que tenta sobreviver a uma doença contagiosa que se alastra sobre uma cidade. Como nos dias de hoje, temos muitas epidemias, o escritor serve de inspiração para falarmos de algumas delas.
Apesar de mais de um milhão de anos que estamos na face da terra, segundo os evolucionistas, o comportamento humano não para de evoluir. Porém, as condutas não são tão diferentes ao longo da história. Hoje sabemos que, mesmo depois de tanto tempo que o homem deixou a caverna, essa ainda permanece nele, e muitas das atitudes continuam as mesmas da pré-história, só adaptadas às modernidades dos nossos dias.
A fofoca é o tema. A principal forma de acontecer é a fala. E desde quando as pessoas usam esse meio de comunicação? Como a linguagem oral não deixa rastros, existem apenas algumas pistas indiretas que pouco ajudam a comprovar qualquer especulação. Talvez a melhor resposta seja: desde quando se tornou homem. Mas, isso não vem ao caso, pois como sabemos, há várias maneiras de fazê-la, sem precisar usar a voz ou até mesmo a escrita. O palestrante mais pop do momento, Leandro Karnal, costuma dizer: “A fofoca é a arma dos fracos”. Mas, ninguém pode falar sobre o seu poder sem citar o sagaz escritor Millôr Fernandes que disse: “Quando todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso”. A verdade é que ela é um mal que ganha, a cada dia, mais espaço na mídia e nas nossas mentes. Parece uma brincadeira inocente, mas, pode trazer graves consequências. Já o escritor Walcyr Carrasco, exímio novelista, diz aprender muito com a fofoca, sendo a mesma uma das principais fontes para a elaboração da sua obra.
Porém, ninguém pode se aprofundar no assunto que move as pessoas em todos os recantos da humanidade, sem conhecer a obra “Tratado Geral Sobre a Fofoca: Uma Análise da Desconfiança Humana”, de José Ângelo Gaiarsa, psiquiatra de renome, que morreu aos 90 anos, e mesmo depois de sua morte, ainda é um dos maiores referenciais que temos sobre comportamento humano. Ele, em seus livros, fazia uma análise sociológica, filosófica, histórica e psicológica da fofoca – esse fenômeno tão antigo que acompanha o homem, desde seus primórdios. Partindo da irônica premissa de que nenhum cientista “sério” se dedicaria a estudá-la, toma para si o desafio e mostra, capítulo a capítulo, como essa forma insidiosa de inveja, despeito e medo, infiltra-se em nós, assim que deixamos a infância e quando a fazemos sobre um indivíduo, colocamos nele todos os preconceitos. E, ao fazermos isso, automaticamente, nos livramos de qualquer defeito, tornando-nos modelos de perfeição. As consequências são drásticas: além de fazer mal ao outro, frustramos toda e qualquer possibilidade de mudança interna que pudesse nos levar a um patamar mais elevado de consciência. Fiquemos com a sabedoria do velho mestre: “A quantidade de fofoca que existe no mundo e em cada pessoa é exatamente igual à quantidade de desejos humanos não realizados”.
"A fofoca é uma forma de vingança e Deus odeia isso", diz Rick Warren. Para compreender melhor essa afirmação, vamos aprofundar o assunto.
O que é fofoca? Uma definição: 'compartilhar informações com alguém que não é parte do problema, nem da solução'. “A pessoa pode não ter tido nada a ver com isso, mas, você a relaciona com o assunto para que possa se sentir melhor sobre si mesmo”.
Porque resolvi falar sobre este tema se o centro dos meus textos tem sido sempre educação? Por um motivo simples, se existisse uma maior formação das famílias e das escolas sobre os educandos, a fofoca seria bem menor. Pois, é necessário que todos saibam que as relações humanas precisam do sustentáculo da verdade e sejam cada vez melhores.
Uma verdadeira relação humana tende a levar os envolvidos para um crescimento muito maior. Sei que é difícil, no mundo de hoje, querer a perfeição entre as pessoas. Os interesses passaram a ser individuais e não coletivos. Os desejos são pessoais e os valores são cada vez mais individualistas. Uma fofoca pode atrapalhar ou comprometer a vida dos outros.
Nos meus 38 anos, ensinando biologia para a vida, sempre fiz questão de ter como principio básico, do meu conteúdo, o valor do ser humano. A sala de aula deve ser sempre um lugar de paz e respeito mútuo. No exercício da profissão cheguei a dizer que deveria ser a continuação da nossa casa, hoje, não me permito mais tal ousadia. A família deve compreender o seu papel no contexto da sociedade e não transferir tanta responsabilidade para a escola, pois tira dela o seu principal papel, que é ensinar.
Repito o que digo em tantas das minhas palestras, aulas e encontros: Educar é papel da família, o da escola é ensinar e continuar a educação construída em casa. Crianças que são educadas no seio familiar, não dão trabalho no colégio, também não são problemas nos meios sociais.
Fofoca traz benefícios sociais e psicológicos, diz pesquisa. Os pesquisadores da Universidade de Berkeley descobriram que os boatos podem trazer resultados positivos para a sociedade. O estudo defende as intrigas "pró-sociais", que têm a função de advertência sobre as pessoas não confiáveis. Segundo o psicólogo social Robb Willer, coautor do estudo publicado na edição online da revista Journal of Personalidade e Psicologia Social, o mexerico desempenha um papel crítico na manutenção da ordem social. O estudo também revelou que ele pode ser terapêutico. Pois é, meu caro leitor, o boato pode ser uma terapia para os problemas da moderna sociedade, queiramos ou não.
É bom que saibamos que todo mundo faz intriga e ao mesmo tempo é vítima dela. Como sabemos, existe a fofoca do mal e a do bem, é bom que a do bem prevaleça em nossas relações, o que não é fácil, pois, segundo estudo, a do mal é a que anda mais rápido e atinge 78% da população. Por fim, volto ao famoso escritor e seu livro, e afirmo que Saramago tinha razão quando dizia: “todos nós somos um pouco cegos” e a cegueira não nos deixa enxergar o quanto o boato interfere na vida das pessoas.
Prof. Albérico Luiz Fernandes Vilela
Membro da União Brasileira de Escritores
Membro da Academia Pernambucana de Educação
Diretor Pedagógico da Universidade da Criança - UNIC