Dom Paulo Jackson |
Bispo da Diocese de Garanhuns, dom Paulo Jackson Nóbrega de Souza, 50 anos, tem o desafio de presidir até 2022 o Regional Nordeste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNNB). O regional, com 21 dioceses de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, tem particularidades que vão do fenômeno da explosão urbana, ao território semiárido e empobrecimento dos municípios, especialmente os de pequeno porte, dependentes dos repasses da União, do programa Bolsa Família, das aposentadorias e dos empregos que as próprias prefeituras geram.
Em meio aos problemas, que passam pela necessidade de cuidar dos sacerdotes e dos leigos, afetados pela lógica da cultura urbana que chega aos recantos rurais, o novo presidente do regional, eleito em maio deste ano, vê com preocupação a reforma da Previdência, aprovada pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado.
Para dom Paulo Jackson, ao contrário das vozes e de muitos analistas do mercado, a reforma não será panacéia. A sua preocupação, como já expressada pela CNBB, é com a quebra do modelo solidário da Previdência Social brasileira, que une diversas pontas: das aposentadorias à saúde e assistência social. E que, ao ver do bispo de Garanhuns, se desmanchada, poderá recair principalmente sobre a camada mais pobre da sociedade, os “que estão na ponta da rama social”.
Em uma sociedade cada vez mais urbana, como a igreja age para se inserir nela?
Em maio de 2018, os bispos do Brasil aprovaram as novas diretrizes para o quadriênio 2019-2023. O eixo transversal que perpassa todas as diretrizes é o eixo da cultura urbana. É importante fazer a distinção: não é somente da cidade, é da cultura urbana que está, por meio de um aparelho celular, nos mais recônditos rincões dos sertões, das periferias. Onde houver uma antena, ali tem cultura urbana. O mundo rural também está presente em algumas cidades. Hoje você vai aos sítios e encontra pessoas profundamente marcadas pela cultura urbana, mergulhadas nesta nova mentalidade.
De fato, o grande desafio é evangelizar neste universo, de crescente secularização. Há uma perda dos antigos valores, cristãos e religiosos em geral. Ao mesmo tempo, há um despontar de outros valores urbanos, vinculados à cidadania, à democracia.
O senhor percebe esses conflitos na sua diocese?
O que a gente percebe é o conflito dentro das pessoas, entre mentalidades rurais, pré-modernas, e mentalidades que dialogam com a pós-modernidade. Essas duas coisas caminham com muita beleza, mas com certos conflitos e tensões.
Como esses conflitos se expressam concretamente?
Hoje se fala muito dos eremitas da sociedade, jovens que mesmo dentro de casa se trancam no quarto e fazem do quarto um mundo à parte. A internet foi criada para ser net, rede de conexão, e hoje se percebe que tem gerado consequências bastantes opostas. Pessoas quenão mais se conectam, que se retiraram do convívio social e preferem a virtualidade.O fenômeno dos eremitas urbanos é complexo e tem provocado doenças psicoemocionais graves.
Têm sido comum queixas desse tipo à igreja?
Muito comum, mesmo em cidades pequenas. A cultura urbana extrapolou os muros das cidades. Essa cultura tem consequências nefastas e positivas mesmo nos rincões solitários. Na Campanha da Fraternidade deste ano, a CNBB ressaltou a importância dos conselhos de direitos, mas o governo Bolsonaro age em sentido contrário…
Estamos atentos. Vivemos um momento de refluxo histórico grave, com perigos de perdas de direitos adquiridos, como, por exemplo, a reforma da Previdência. E ainda temos dúvida sobre o futuro neste aspecto. A Previdência não é somente aposentadoria. Envolve saúde, assistência social. Nós nos perguntamos sobre a capacidade de resposta do estado à solidariedade, ao modo de como vai tratar os seus membros mais frágeis, mais pobres, que estão na ponta da rama social.
Entram aí, sobretudo, as pequenas cidades?
Recentemente Tânia Bacelar, economista, na assembleia geral da CNBB, apresentou o impacto da destruição deste estado de bem estar social, montado, sobretudo, a partir da Constituição de 1988 e no governo Lula. O governo Lula coincidiu com uma janela extremamente positiva em relação às commodities e soube aproveitar para desenvolver projetos sociais e políticas públicas. Com a crise desse modelo, o sistema ruiu. E quem mais padece são os municípios pequenos, que vivem do Fundo de Participação dos Municípios, do Bolsa família, dos empregos de prefeitura e de aposentadorias. Esses municípios padecem de uma crise inimaginável em um país que tenta dar respostas monocausais. Dizia-se: “a grande causa dos problemas é a reforma trabalhista. Vamos fazer a reforma trabalhista que tudo se resolve”. Houve a reforma e estamos à beira dos 14 milhões de desempregados. Agora se diz: “O Brasil resolverá todos os seus problemas se aprovada a reforma da Previdência”. Não é preciso ser astrólogo para saber que a reforma não vai resolver todos os problemas do país.
Os municípios, pelo que o senhor tem visto, estão atentos?
Depende muito do gestor. Há gestores que se prepararam para serem gestores e há gestores infelizmente despreparados. Mais importante do que esperar pelos gestores é o papel da sociedade civil. E as igrejas têm um papel importante nisso. Infelizmente, há um refluxo, um desencanto, com a participação popular, tanto nos quadros das igrejas católicas quanto das evangélicas. Talvez maior nas igrejas evangélicas, que embarcaram um pouco mais no apoio à eleição de Bolsonaro e no governo Bolsonaro. Este é um movimento de direita e até de ultradireita, beirando o fascismo, beirando coisas inimagináveis e inaceitáveis. Na década de 1980, 1990 e 2000 houve um encanto com as utopias. Percebemos um desencanto porque os partidos de esquerda, que propunham tanta coisa não entregaram o que propunham.
Os partidos de esquerda pregaram utopia ou fizeram apenas distribuição de renda?
Temos uma longa reflexão a ser feita. Houve erros gravíssimos. Algumas coisas foram entregues. Houve avanços nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e no primeiro governo Dilma. Mas houve erros, sobretudo no processo de corrupção e de cooptação de lideranças. Isso esvaziou forças populares que tinham uma vitalidade grande.
A afirmação recente do papa, de que os magistrados nunca devem “negociar a verdade” seria um recado ao Brasil?
Não quero crer que o papa tenha falado especificamente para o caso do país, mas se for está valendo. Porque se as coisas que estão sendo publicadas pelo site The Intercept, em vinculação com grandes veículos da imprensa, se comprovarem, e que o juiz Sérgio Moro até agora não negou, são algo gravíssimo, que fere no miolo, no coração, o estado democrático de direito. O estado democrático de direito nasce de um pacto social. Quando não há isenção de um juiz na maneira de julgar, se houver colaboração ou promiscuidade com uma das partes, isso fere o coração do estado democrático de direito e é completamente inadmissível.