Meu compadre Roberto Almeida tem feito um trabalho elogiado em trazer biografias de nomes da nossa música brasileira. Tem sido assim a cada final de semana. Vou tentar complementar essa interessante iniciativa de um jeito diferente. Contar alguns fatos inusitados que deram vida a grandes músicas do cancioneiro nacional. Histórias de compositores que componham para amadas secretas ou brigas entre astros que refletiam nas composições e acabavam nas paradas de sucesso. Durante algum tempo Paulinho da Viola e Benito di Paula discutiam o samba através de suas músicas. Paulinho não aceitava aquele piano no samba e pra ele fez a música "Argumento". Benito alertou que "estão querendo tirar meu nome do samba... Vou ficar com meu samba - Osso duro de roer... Deixem essa gente passar, é inveja que eles sentem..." kkkk. Roberto Carlos também foi mestre nisso. Um ano ele disse que queria que tudo fosse para o inferno, no outro, para amenizar, ele disse que daria o céu. Hoje ele tirou o inferno de suas canções. Luiz Gonzaga teve várias músicas feitas a pedido, algumas para políticos. A volta pra Exu rendeu umas boas toadas. Existem muitas histórias que ficaram nos bastidores e nunca chegaram ao público. As músicas da ditadura. As letras inteligentes de Chico Buarque que driblava a censura, ou aquelas que se dizia alienantes a favor do regime - Eu te amo meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil...! Muitos anos depois alguns mitos da nossa música entregavam suas histórias, como Lupicínio Rodrigues que afirmou que várias de suas letras contavam seus casos amorosos. E vejam quantas músicas! "Ela disse-me assim, tenha pena de mim, vá embora! Vais me prejudicar, ele pode chegar, está na hora"... Era música de "gaia" mas era diferente das música de hoje! Embora alguém possa dizer que gaia é gaia em qualquer tempo e em qualquer lugar! Mas na música não! A forma de dizer é que define a boa música da música simplesmente comercial.
Feito este preâmbulo, vamos à pequena história de hoje:
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Carmem Miranda, nascida portuguesa, tornou-se a mais famosa artista brasileira no mundo. Eram tempos antigos e a mulher encantava a todos com sua voz e suas performances. Nada existia de mais tropical que as frutas na cabeça da artista multimídia. Havia chegado a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. Hollywood buscava artistas que pudessem plurarizar o cinema que se fazia por lá. Era época de grandes musicais. Ao voltar os olhos para o Brasil, que tinha um cinema pujante nacional, com grandes artistas como Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Mazzaroppi (vejam como o nosso cinema era fértil de comediantes), a estrela Carmem Miranda ganhou destaque e foi convidada a figurar como estrela em Hollywood.
Mas a vida no exterior e a vida dividida entre os Estados Unidos e o Brasil foram motivos de críticas a Carmem Miranda, que mesmo diante do sucesso mundial, tinha que se explicar por que havia se "vendido" ao mercado internacional e principalmente ao Tio Sam. Críticas que diziam que ela havia mudado, que deixara os tons da música nacional e que já não era mais a mesma. Hoje, vê-se o quão os críticos foram mordazes e não entenderam a conquista que Carmem Miranda conseguira para o Brasil, da representatividade, da luta pela cultura tupiniquim, daquela produzida abaixo dos trópicos, e para isso ela teria que estar lá, entre eles, mostrando a irreverência da nossa cultura.
Entretanto, Carmem Miranda não deixou de responder as críticas, mas fê-lo da forma mais sensível possível, através da música, em uma das mais belas canções brasileiras.
Ao final de nossa história, percebemos que o que fica pra ser contado é a qualidade, é a vida, é o querer, que foi o que mostrou a Carmem Miranda, numa música do Vicente Paiva.. As críticas sem conteúdo ficam pelo caminho.
Vamos a letra da canção e o vídeo, para que possam entender a resposta inspirada de uma das divas da canção brasileira:
DISSERAM QUE EU VOLTEI AMERICANIZADA
Composição: Vicente Paiva
Intérprete: Carmem Miranda
Intérprete: Carmem Miranda
Disseram que eu voltei americanizada
Com o burro do dinheiro
Que estou muito rica
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca
E disseram que com as mãos
Estou preocupada
E corre por aí
Que eu sei certo zum zum
Que já não tenho molho, ritmo, nem nada
E dos balangandans já não existe mais nenhum
Mas pra cima de mim, pra que tanto veneno
Eu posso lá ficar americanizada
Eu que nasci com o samba e vivo no sereno
Cantando a noite inteira a velha batucada
Nas rodas de malandro minhas preferidas
Eu digo mesmo eu te amo, e nunca I love you
Enquanto houver Brasil
Na hora da comida
Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu
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Texto: Ronaldo Cesar