Escritor Nivaldo Tenorio lança livro de contos Dias de Febre na Cabeca. Credito: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press. |
Em 1970, o ex-presidente Lula já havia deixado Garanhuns há 18 anos, e dava
os primeiros passos como sindicalista no Sudeste do país. Enquanto começava a
jornada de um dos políticos mais populares dos últimos tempos, no município do
Agreste pernambucano nascia um conterrâneo anti-herói. Também de origem pobre,
pais semianalfabetos, o aluno repetia de ano sistematicamente. No fim da
adolescência, detestou o Exército. Por necessidade, tentou ser policial. Acabou
se tornando bombeiro e, com o avançar da idade, habilidoso escritor.
A
simpatia de Nivaldo Tenório o aproximou de autores consagrados, como Ronaldo
Correia de Brito e Raimundo Carrero, de quem recebe elogios rasgados pelo
talento e originalidade. Se por um lado o garanhuense soube se apadrinhar nas
andanças pelo Recife, foi igualmente capaz de se associar a potenciais escribas
da terra, com quem criou o zine literário u-Carbureto e, posteriormente, selo
editorial com o mesmo nome. No fim do ano passado, a cooperativa publicou o
quinto livro, Dias de febre na cabeça (112 páginas, R$ 25), uma densa e obscura
coletânea de contos.
A obra reflete com precisão a personalidade quase
secreta de Nivaldo Tenório, pessimista e ateu inconformado com a morte. Foi
escrita e reescrita incansavelmente nos últimos anos, tempo suficiente para
apurar no texto a dor da existência humana e a falta de opções diante do
destino. “Estamos fadados ao mais completo e irremediável fracasso. Um dia a
gente vai ter câncer na próstata e morrer”, resume.
Sem exceção, as histórias
trazem personagens sofridos, em situações de luto, cansaço, dor, tragédia,
agonia. “São contos dolorosos. Queria um livro com unidade, então todos estão em
uma situação limite. Minha razão para escrever é falar do humano. E nesse
sentido não sou alegre. Viver é muito doloroso. Nós estamos em uma
encruzilhada”.
Quanto à relação entre literatura e a carreira no Corpo de
Bombeiros, alega dupla identidade, tal qual Super-Homem e Clark Kent. Há 23 anos
na corporação, o primeiro-sargento Tenório, como é conhecido, não se arrisca
mais no combate ao fogo. Sem atos heroicos, o trabalho administrativo de meio
período é respaldo para exercitar a verve literária, segredo bem guardado dos
colegas. “Nunca me senti militar. Alguns amigos se consideram verdadeiros
salvadores, guerreiros. Eu não. Me sinto funcionário público”,
confessa.
Leitor voraz de autores russos como Liev Tolstói e Fiódor
Dostoiévski, é também admirador de Philip Roth, Jorge Luis Borges, Julio
Cortázar, Guimarães Rosa. Embora tenha fôlego para consumir obras imensas,
costuma sair em defesa das histórias curtas. “Ninguém chega para um poeta e diz
para ele escrever uma epopeia. Mas para o contista tem que dizer para ele
escrever um romance”, compara.
Na estante com mais de 2500 livros,
aparentes contradições. Lado a lado, estão Deus, um delírio (considerada obra
essencial para o ateísmo), de Richard Dawkins, o Alcorão (“livro terrível, de
causar pesadelos”), a Bíblia Sagrada (“adoro e leio muito, embora seja um monte
de mentiras”).
SERVIÇO
Dias de febre na cabeça, de
Nivaldo Tenório
Páginas: 112 páginas
Preço: R$ 25
Vendas pelo e-mail
editora@u-carbureto.com.br
DEPOIMENTOS >>>>
Edvaldo Rodrigues/DP/D.A Press. Fotos do escritor Ronaldo Correia de Brito. |
“Fiquei muito surpreso com a
qualidade do texto . O conto Quebra-cabeça, mesmo com alguns problemas, é muito
bom, de maneira que revela o escritor. Você vê que ele sabe escrever um conto,
conhece os mistérios do conto, conhece literatura. Nivaldo escreve coisas
extraordinárias. É impressionante como cria um mundo tão sombrio, hipocondríaco,
tão suicida. É um niilista.”
RONALDO CORREIA DE BRITO
Edvaldo Rodrigues/DP/D.A Press. Fotos do escritor Ronaldo Correia de Brito. |
“Nivaldo foi ao encontro do limite humano. Deixou que seus personagens
sentissem o peso da existência. Essa existência que tem hora para acabar. Dias
de febre na cabeça emociona o leitor pelo que tem de qualidade literária. É no
sentido do absolutamente humano que se encontram as histórias e os personagens
do livro. Nivaldo consegue ir muito adiante. Consegue avançar seu projeto
literário.”
RAIMUNDO CARRERO