Não é de hoje que a Revista Veja faz oposição disfarçada (ou discarada) ao Presidente Lula. Esta semana veio com um artigo em que faz referências ao futebol com analogia às eleições. Foi um recado direto, dizendo que Lula está interferindo diretamente, menosprezando a justiça eleitoral e ao final lembra que nem tudo está perdido para a oposição, pois avisa que o jogo só acaba quando termina, numa frase típica de quem sabe que está atrás do placar. A Veja precisa entender que o estádio está cheio e torcendo pelo time do presidente, e que se deve respeitar o adversário. Por outro lado, Lula também sabe que não vence sozinho. Sinto no texto que está abaixo, que a Revista buscou tirar o otimismo situacionista, mostrando que o jogo não está ganho e que até nos jogadores contratados ainda podem surgir. O texto é deliberadamente anti-Lula, coloca dúvidas em Dilma e provoca no leitor uma sensação de desconforto e uma subliminarmente busca mostrar que Serra seria mais confiável. Feito este prólogo crítico, vamos ao texto da revista:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende se consagrar como o maior craque da história do Brasil. A promessa de Garanhuns estreou bem nos rachões do sindicalismo, brilhou no primeiro time do Partido dos Trabalhadores e foi vice três vezes – até que, em 2002, jogando no melhor estilo paz e amor, conseguiu mostrar a qualidade do seu futebol e se tornar presidente da República. De lá para cá, sua carreira vem subindo velozmente ao Olimpo onde pairam os mitos brasileiros. Apesar de ter sofrido uma breve má fase há cinco anos, quando flagraram metade do seu time no antidoping do mensalão, ele encontrou perseverança para ser bicampeão em 2006. Nos últimos tempos, embalado pelo relativo sucesso de programas sociais do governo e pelo bom momento da economia, Lula atingiu seu ápice: 80% dos brasileiros aprovam seu futebol. É no auge da era Lula, portanto, que se aproxima a copa da política brasileira: a eleição presidencial. Nela, como não pode concorrer, o presidente deveria atuar apenas como técnico da novata Dilma. Lula, porém, não tem nada de Dunga – e entrou em campo com tudo, dando diariamente chapéus na Justiça Eleitoral, carrinhos nos adversários e preciosos passes para a sua camisa 9.
Até o momento, o presidente, vá lá que sem muito fair play, está levando o time nas costas. Desde o fim do ano passado, quando Lula passou a jogar com afinco, Dilma vem crescendo lentamente nas pesquisas. A tal ponto que, nas últimas semanas, as sondagens mais confiáveis, como a do instituto Datafolha, indicaram um empate entre ela e o candidato tucano, José Serra. Ambos aparecem com 37% das intenções de voto – em dezembro, a petista aparecia com 26%, e o peessedebista flanava com 40%. Não há dúvida de que o crescimento da candidata petista se deve ao presidente, nem dúvida há de que ele será o dínamo político da campanha. A população gosta do presidente e está satisfeita com suas próprias condições de vida. Até março do ano passado, Dilma, apesar de ocupar o poderoso cargo de chefe da Casa Civil, era conhecida superficialmente por somente 53% dos brasileiros. À medida que foi sendo apresentada por Lula ao eleitorado, seja em discursos televisivos, seja em desavergonhados eventos eleitorais país afora, Dilma cresceu e apareceu, conquistando votos na mesma proporção em que se tornou conhecida. No jargão dos marqueteiros, isso se chama transferência de votos. Na linguagem do futebol, resume-se ao talento de Dilma para se posicionar na banheira e receber os passes de Lula. Somente no decorrer da campanha, contudo, será possível descobrir se a camisa 9 do PT sabe fazer gols, transformando intenções em votos.
É do resultado dessa incógnita que sairá o próximo presidente. As pesquisas e a sabedoria política sugerem o seguinte: se Dilma conseguir convencer os eleitores de que merece ser a sucessora de Lula (como tem conseguido até agora), ganhará a eleição; se falhar, a vitória provavelmente caberá a Serra. Aqui, porém, como bem sabe o presidente, vale o mais infame dos clichês futebolísticos: toda eleição é uma caixinha de surpresas. Para evitar um maracanazzo petista, Dilma segue com disciplina as orientações do professor – quer dizer, do presidente Lula e dos marqueteiros de sua campanha (veja o quadro). A estratégia petista depende do sucesso de três táticas: Lula convencer o eleitorado de que a vitória de Serra significaria um retrocesso para o país, Lula fazer muita campanha para Dilma e, finalmente, Dilma mostrar-se autêntica e confiável para os simpatizantes do lulismo. O último item é puramente subjetivo. Subordina-se aos múltiplos aspectos da personalidade da petista, ao modo como a índole dela se comunica com o eleitorado. Da busca dessa furtiva e intangível qualidade decorre, em larga medida, o trabalho dos marqueteiros.
"Não basta o Lula dizer que a Dilma é candidata dele. O eleitor tem de ouvir isso da Dilma, e sentir que confia nela", afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Ou seja: o eleitor não elege postes. Na Colômbia, o presidente Álvaro Uribe deve fazer seu sucessor, o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos. No Chile, entretanto, a presidente Michelle Bachelet, apesar de apresentar 80% de aprovação, não conseguiu que seu candidato lhe sucedesse – nesse caso, o candidato não era desconhecido como Dilma. A diferença entre os dois exemplos indica como o fenômeno da transferência não tem nada de cartesiano. O desafio de Dilma é paradoxal. Ela precisa ser conhecida como sucessora natural do presidente – mas deve fazer isso sem exageros, de modo a não esmaecer na sombra de Lula.
As recentes boas notícias para Dilma não espantam as preocupações dos coordenadores da campanha petista. Os principais temores deles concentram-se na possibilidade de ataques pessoais à candidata. O maior dos medos decorre da militância de Dilma durante a ditadura militar. Os petistas temem que a recorrente insinuação – sem fundamento, frise-se – de que a candidata pegou em armas possa causar danos desastrosos a ela. A preocupação resultou numa defesa preventiva, que foi ao ar no último programa televisivo do PT: a despropositada comparação de Dilma com o líder sul-africano Nelson Mandela, que ficou 27 anos preso por se opor ao regime segregacionista.
Nunca é demasiado o cuidado com esse tipo de pancada. As tão impalpáveis virtudes que os marqueteiros procuram ressaltar em Dilma podem dissolver-se com um ataque certeiro. Nas mais recentes eleições brasileiras, sobram exemplos de políticos destruídos por um deslize verbal ou um erro pregresso. Em 2002, dois candidatos ficaram pelo caminho. Roseana Sarney era favorita até a Polícia Federal descobrir um inexplicável montinho de dinheiro vivo nos escritórios da família. No auge da campanha, quando estava próximo de Lula nas pesquisas, Ciro Gomes chamou um eleitor de burro. Até mesmo a reeleição de Lula em 2006, que se mostrava tranquila, entrou em risco quando aloprados petistas em busca de dossiês foram presos com um inexplicável montão de dinheiro.
Dessa tormentosa saga de trapalhadas e baixarias que costumam acometer as campanhas no Brasil, extrai-se a lição da cautela. Como qualquer processo político, uma eleição se desloca como uma nuvem, na qual é difícil prever tempo ruim. Foram trovoadas desse tipo, aliás, que tiraram Dilma do banco de reservas – sucessores naturais de Lula, como José Dirceu e Antonio Palocci, queimaram-se em escândalos. O bom momento de Dilma se deve também à dificuldade de Serra e de Marina Silva, a candidata do Partido Verde, em encontrar um discurso que concilie a continuidade desejada pelo eleitorado com propostas que o seduzam. Ainda faltam quatro meses para as eleições. Lula, o Pelé da política, sabe que o jogo só acaba quando termina.