Está no Diário de Pernambuco:
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Numa das salas de aula do projeto Orquestra Criança Cidadã, Natália Maria da Silva mantém o olhar atento ora na explicação do professor, ora na partitura à sua frente. "Comece mais rápido, depois prossiga mais lento", explica o monitor Luiz Carlos.
Crianças ensaiam diariamente para a maratona de apresentações que estão por vir. Hoje, eles tocam no Teatro da UFPE. Com o violino posicionado abaixo do queixo, Natália arrisca as notas iniciais do primeiro movimento do Concerto em A menor, de Vivaldi. Erra, recomeça. Tenta outra vez. "Comece aqui na terceira corda", diz o paciente Luiz Carlos. Nervosa, erra outra vez, mas não desiste. Aos poucos, tocando devagar, as notas desafinadas vão se harmonizando. Há menos de um ano, Natália, dez anos, frequenta as aulas diárias oferecidas pelo Projeto Beneficiente Criança Cidadã, que completa neste mês a mesma idade dela. Para comemorar a data redonda, o carro-chefe do projeto, a Orquestra Criança Cidadã, apresenta-se hoje no palco do Teatro da UFPE, a partir das 19h30.
O concerto também comemora um bom começo de ano. Passados quase 4 anosde sua criação, a orquestra é hoje sinônimo de projeto social de sucesso, no estado. Está concorrendo a um prêmio internacional na área e é a principal atração de outro projeto, o Circulação de Música Instrumental, que tem início na próxima quinta-feira. "O Circulação tem um caráter social muito forte, e quando pensamos em alguma ação social que trabalhe com música, a orquestra foi o que primeiro grupo que veio à memória. É uma referência", explica Rinaldo Ferraz, um dos gerentes da A-Sim, produtora do evento.
No primeiro e segundo módulos do Circulação, os meninos e meninas da orquestra, todos moradores do Coque, vão tocar dentro de escolas da rede pública, em quatro cidades. Depois, à noite, fazem um concerto aberto ao público. Recife, Olinda, Caruaru e Garanhuns vão receber as duas primeiras etapas do projeto, que captou R$ 795 mil através da lei Rouanet. Triunfo e Petrolina vão receber o último módulo, no segundo semestre.
Mas para este ano, o projeto mais ambicioso da Orquestra é a construção de uma sala de concertos própria, com 700 lugares. "A mesma capacidade do Teatro de Santa Isabel", destaca o coordenador geral do grupo, o juiz João José Rocha Targino. Já batizada de Sala de Concertos Presidente Lula, o espaço está orçado em R$ 4 milhões, que deverão ser arrecadados junto à iniciativa privada. "O presidente deve assinar em breve a cessão de direito de uso de um terreno da Marinha que fica em frente ao quartel do Cabanga, onde a orquestra ensaia", adianta o desembargador Nildo Neri dos Santos, presidente da Projeto Beneficiente Criança Cidadã.
Profissionalização - Quase todos os 130 jovens têm o sonho de se profissionalizar na música. Apaixonada pelas composições de Haydn e Brahms, a violoncelista Bianca de Cássia, de 14 anos, se impôs a meta de tocar em um grande conjunto europeu. "Daqui do Brasil, só gosto da Orquestra Sinfônica de São Paulo", diz a menina, que tem aula de alemão todo sábado, dentro do projeto.
"A noção do que é a vida mudou", afirma Luiz Carlos, o monitor, sobre o despertar para amúsica. "Vida não é só brincar. É também trabalho, estudo. Cada um tem sua hora", diz Carlos, que hoje só ouve música instrumental. "Meu favorito é Mozart. Ele faz uma música bonita, delicada e com estilo", avalia o jovem de 15 anos.
Mesmo com a saúde debilitada, o maestro Cussy de Almeida, responsável pela coordenação musical do projeto, faz questão de acompanhar o dia a dia da orquestra. O orgulho dos meninos que vê crescer e se transformar em cidadãos-músicos é constante. O sucesso do projeto ele credita a dois fatores. O primeiro, a independência do instável dinheiro público. O segundo, a liberdade que tem para gerir a orquestra. "Aqui cada um cuida do que sabe fazer. Somos três pessoas adultas e de bom senso. Cada um respeita e trabalha muito para o crescimento do projeto", encerra o maestro. (http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/04/12/viver1_0.asp)