O projeto de lei complementar que altera as regras de criação de municípios, ora aprovado no Senado, estava em vias de ser votado no meio do ano, quando houve a repentina erupção dos movimentos contestatórios de rua.
Tal projeto, protótipo de irresponsabilidade fiscal e de irrelevância social, simbolizava a distância abissal que separa a agenda dos políticos das demandas e necessidades da população. Cientes dessa dissintonia e temerosos das negativas repercussões, suas excelências engavetaram momentaneamente a desnecessária propositura.
Pois bem, foi só o movimento social refluir para os parlamentares continuarem suas trajetórias regulares, no mais das vezes divorciadas dos anseios populares: tornaram lei a farra de, com raríssimas exceções, raríssimas mesmo, desmembrar distritos paupérrimos de pobres municípios-sede.
Não há necessidade de desfilar números e exemplos da tragédia socioeconômica e fiscal que se abate sobre a imensa maioria dos municípios brasileiros. Basta dizer (Firjan) que somente 83 dos 5.565 municípios brasileiros geram receitas suficientes para pagar seus funcionários; nada menos que 1.367 (25%) não têm qualquer tipo de arrecadação; das receitas dos 5.565 municípios, 70% são de transferências dos governos federal e estadual, e por aí vai.
Enfim, o retrato fiscal do município-padrão no Brasil já é por demais conhecido: depende basicamente de transferências governamentais (FPM, ICMS e outras), gasta mais da metade das receitas com pessoal, a receita própria (ISS, IPTU, etc.) é irrisória ou inexistente e tirando as despesas com pessoal, custeio e dívida, sobra muito pouco ou nada para as despesas com investimento.
Os argumentos dos parlamentares em favor do projeto beiram às raias da desfaçatez: desassistidos pelos municípios-mãe, os distritos, separados, terão estruturas institucionais, serviços e equipamentos públicos que lhes permitirão desenvolver e ter melhor qualidade de vida.
Mas como isso é possível? Em primeiro lugar, por que os distritos pleiteiam emancipação? Não é por conta de, em geral, se acharem pobres e desassistidos pela sede? Sendo o distrito mais ou tão pobre quanto a sede, e se esta já sobrevive às duras penas, dependente de transferências correntes, como é que o distrito vai manter-se, autonomamente, desmembrado da sede?
Só restam duas esperanças agora: A primeira é a presidente Dilma vetar o projeto. Vai fazê-lo, desagradando os parlamentares, em ano pré-eleitoral?
A segunda, caso não haja veto, é as Assembleias Legislativas ampliarem os requisitos técnico-financeiros exigidos para aprovação de propostas de criação/desmembramento de municípios. Vão fazê-lo?
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Maurício Costa Romão, Ph.D.
em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do
Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br http://mauricioromao.blog.br.