A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 03 de março, o Projeto de Lei 8305/14, que classifica o feminicídio como homicídio qualificado e crime hediondo no Brasil, com pena de reclusão de 12 a 30 anos. O projeto segue ainda para sanção da presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT] e representa, para os movimentos sociais, um avanço no combate à violência contra a mulher.
Em entrevista a Adital, Yury Orozco, uma das coordenadoras da organização Católicas pelo Direito de Decidir, comenta que existe uma naturalização da violência contra a mulher e a lei revela que isso não é normal, ampliando assim o debate. "O projeto é um passo significativo, um avanço considerável na prevenção da violência. É um complemento à Lei Maria da Penha, sendo um instrumento que contribui para frear a violência”.
Para Yury Orozco, o projeto de lei amplia o debate sobre feminicídio e é um avanço na prevenção da violência contra a mulher.
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Por outro lado, Yury avalia que a Lei por si só não irá trazer resultados positivos. Existe um desafio, principalmente no Judiciário brasileiro. O contexto patriarcal se reflete ainda em todas as estruturas de poder. "O Judiciário precisa ter vontade política para entender e discutir as questões que se referem à discriminação de gênero. É preciso aplicar a Lei de acordo com o conceito de feminicídio. É um absurdo a resistência que setores religiosos e fundamentalistas fazem à aplicação da Lei Maria da Penha, por exemplo. É muito triste que o Congresso seja formado por homens que não se dão conta dos números alarmantes de feminicídios no país”.
O feminicídio é definido como o assassinato da mulher por razões de gênero, motivado em geral pelo ódio, desprezo ou o sentimento de perda da propriedade dos homens sobre as mulheres. Marcado pela violência sexual ou a tortura e mutilação da vítima, antes ou depois do assassinato, esse tipo de crime já é tratado por leis específicas em 11 países da América Latina, como México, Honduras, Argentina, Chile, Peru e Colômbia.
De acordo com o ranking do Mapa da Violência, de 2012, o Brasil encontra-se na 7ª posição, em uma lista de 84 países, com maior número de feminicídios no mundo. Em 1º lugar está El Salvador, país que já tipificou o crime. Estudos do Instituto Avante Brasil apontam que, entre 2000 e 2010, foram assassinadas 43,7 mil mulheres no país, 41% delas mortas em suas próprias casas, muitas por companheiros ou ex-companheiros. As perspectivas são ainda preocupantes. O relatório prevê que até 2050, caso nada se altere em termos de prevenção, o Brasil terá mais de 330 mil mortes entre a população feminina.
Yury enfatiza que Projeto de Lei que tipifica o feminicídio expõe os graves números brasileiros. "Avançamos em muitos campos, mas as mulheres ainda continuam sendo mortas por serem mulheres. É preciso ampliar o debate no Brasil. O país ainda mantém padrões patriarcais, machistas. O homem continua vendo a mulher como objeto e a mata quando não consegue realizar seu desejo. É estarrecedor que mais da metade dos feminicídios sejam cometidos pelos parceiros, pessoas com as quais a mulheres têm e/ou tinham uma relação de afeto”.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 70% das mulheres experimentaram alguma forma de violência ao longo de sua vida, sendo uma em cada cinco do tipo sexual. Mulheres entre 15 e 44 anos têm mais probabilidade de serem atacadas por seu cônjuge ou violentadas sexualmente do que de sofrerem de câncer ou se envolverem em um acidente de trânsito.
A ONU estima que 70% das mulheres experimentaram alguma forma de violência ao longo de sua vida. |
Brasil em números
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16.993 feminicídios, resultando em uma taxa de mortalidade anual de 5,82 óbitos por 100.000 mulheres. As regiões Nordeste (6,9), Centro-Oeste (6,86) e Norte (6,42) apresentaram as taxas mais elevadas. Os estados com maiores taxas foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Mais da metade dos óbitos (54%) foi de mulheres de 20 a 39 anos. Mulheres negras (61%) foram as principais vítimas em todas as regiões, com exceção da região Sul.